Jornalista por formação, eu nunca pensei que através de empresas eu poderia atingir o meu objetivo pessoal de vida: tocar a vida das pessoas. Não obstante, o olhar jornalístico para tal atividade empresarial se mostrou essencial durante a minha carreira, apesar de um viés distante das grandes redações. Eu diria que o primordial, nesse quesito, é a ética e consideração com a individualidade dos envolvidos como fator principal do olhar do comunicador nesta posição. A formação jornalística, felizmente, trata desses quesitos principais. Dentre outros quesitos, a experiência. Mas em breve tomaremos esse ponto, em outra oportunidade, em outro artigo.

Uma das experiências que me comprovou isto foi a questão de um quadro de produção, no meu primeiro estágio na área Corporativa. Meu chefe da época entrou na minha sala e me informou de uma problemática na fábrica: a produção do turno da noite -turno recém contratado, especialmente para cumprir o prazo do cliente, estava mais avançada que o turno de dia -Colaboradores já ‘velhos de guerra’ da empresa. Após me contar a situação, ele direcionou uma tarefa: criar um quadro de acompanhamento de produção, com ímãs e quantidades de painéis. Diariamente, eu deveria ajustar a quantidade de produtos produzidos por cada turno e relatar a frase, escrita em vermelho, “X dias atrasados da entrega”. Tentei contra argumentar a tarefa, mas ele estava decidido. Eu, ainda no primeiro ano de faculdade, não sabia como defender minha visão de comunicação, ele, engenheiro prático e objetivo, achava que a imposição era a melhor saída. Eu discordei, mas segui a ordem.

Heavy industry
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Sempre tive uma conexão muito grande com o time da fábrica, desde que entrei, fiz questão de decorar o nome de todos, conhecer suas personalidades, seus dia a dia… Quando coloquei o primeiro aviso de atraso de produção, um colega líder parou ao meu lado, com o seu café e a colherzinha de plástico que ele deve ter usado para mexer o açúcar, me olhou, tirou a colherzinha do copo e colocou na boca dizendo “pode ter certeza que amanhã, vai estar o dobro atrasado. A gente não vai produzir, porque eles não entendem como é”. Segundo ele, o ‘eles’ era a diretoria. Eles não entendem o chão de fábrica porque a produção era uma linha de montagem, a parte mais demorada ficava com o time de dia, o time da noite terminava o produto. Além disso, tínhamos muitas variáveis que envolviam a produção. Uma delas, por exemplo, é que o segundo turno, recém contratado, tinha uma expectativa grande de mostrar serviço e quem sabe, passar para um trabalho efetivo e não temporário. Sem contar que, algo que vamos falar mais depois, eles não faziam parte da cultura da empresa, que infelizmente, naquele momento não era das melhores. Os Colaboradores do primeiro turno, os ‘antigos’ de empresa, já vinham com uma bagagem de desilusões com o senso de pertencer. Outro ponto, essencial, era o cansaço. O turno principal trabalhou exaustivamente no mesmo processo o ano inteiro e, naquela hora, se viram obrigados a cumprir um prazo apertado, definido por pessoas fora do chão de fábrica, com comunicação de que, se não entregassem à tempo, trabalhariam nas épocas festivas de natal e ano novo. Qual a motivação nisso? Em comparação, o turno noturno, já não tinha aversão ao trabalho, era novidade, além de muito possivelmente terem o fator da necessidade de um dinheiro a mais, do acréscimo noturno por exemplo, para passarem bem o final de ano com as suas famílias.

Bom, como estagiária atenta, levei a queixa para o diretor. Vale contar que eu era a única da área de comunicação na empresa, respondia diretamente para o diretor/dono da empresa. Todas as ações e comunicações vinham de mim, o que me fez notar a falta que faz uma equipe multidisciplinar para o tema.

O diretor decidiu responder os colaboradores no mesmo tom: mandou continuar com aquele tipo de divulgação, apontando em porcentagens e comparando os dois times. Tínhamos três semanas para a entrega, cada dia de atraso geraria uma multa na casa dos milhões.

Continuamos. Da forma que o meu colega da fábrica disse, aconteceu… Todos os dias, eu ia colocar o novo consolidado de produção. Os colaboradores olhavam para mim com olhar de decepção, peso que a comunicação leva por dar o comunicado triste de outras áreas. Como se fosse a nossa vontade. Mas não era.

Os dias de atraso começaram a dobrar. O turno do dia, que chegava a bater a produção de 3 produtos por dia, fechava o turno com 1 ou menos. O turno da noite mantinha o passo, mas não era o suficiente. Faltando uma semana para o prazo, o diretor voltou à minha sala, mas dessa vez apenas com a problemática, sem a ordem.

Ele estava sentado na minha frente, indignado, ficava repetindo que se não entregássemos o pedido sairíamos no negativo e que, na verdade, mesmo se entregássemos o pedido, sairíamos ‘elas por elas’. Ele me explicou que aceitou o pedido por um preço baixo para fidelizar o cliente e que, ou entregamos e mantemos, ou não entregamos e a empresa passaria por dificuldades. Além disso, ele afirmava que tinha certeza que com a quantidade de homens por hora, poderíamos produzir 3,5 painéis por turno, e que os Colaboradores não estavam entregando por algum motivo. Na hora, não demos nomes aos bois, mas o motivo era esse: falta de motivação, em outras palavras, falta de Comunicação Interna (CI), braço direito da Comunicação Corporativa (CC) como um todo. A forma como uma empresa se expressa com o mercado (CC) é refletida através dos seus colaboradores que compartilham o mesmo valor pessoal com o da empresa através da CI. Engraçado como o mundo gira, né?

Eu peguei um bloco de notas e fiz apenas uma pergunta para o meu diretor: “O que você pode dar para eles?” A primeira reação dele foi responder “Nada”, já que tinha feito um discurso dizendo sobre o que aconteceria se não entregassem os pedidos. Eu repeti a pergunta para ele e ele mudou o olhar de direção.

Uma das queixas que escutava entre meus ‘passeios’ na fábrica, porque a comunicação como sua base vem das pessoas, eu já tinha algumas ideias do que poderia barganhar para ele. Naquela altura, com uma cultura fragilizada e uma comunicação afetada, precisávamos focar na troca, como um favor. Futuramente, seria hora de tratar dessa cultura de empresa, mas naquele momento, precisávamos de vantagem. Então, eu sugeri e anotei no bloco de notas:

- Janta para o turno da noite?

Já que o turno da noite, devido a carga horária de menos de 6h, por lei era exigido apenas um lanche. Em seguida, perguntei “O que mais? Precisamos dar mais em troca.”. Ele retrucou, dizendo que eles deveriam trabalhar porque são pagos por isso. Claro que nem tudo acontece da maneira que ‘deveria’ ser, cada vez mais é papel da empresa oferecer benefícios para não perder o Colaborador.

- Férias coletivas? -Perguntei
- Ok.
- Confraternização?
- Eu já pedi pro RH ver, mas não quero falar para eles não ficarem acomodados e pararem de produzir. -Respondeu.

Este é outro erro comum da direção, ocultar uma informação que seria motivadora com medo de ser algo que os colaboradores considerem ‘ganho’.

- Pode colocar, bônus de participação nos lucros. -Disse ele
- E fim dos quadros de produção, ok?
- Ok.

Eu lhe disse que ele teria que comunicar as mudanças, pessoalmente, não deveria ser eu ou o RH, mas ele. Em poucos minutos, preparei o texto e ele reuniu toda a fábrica com um discurso motivador. Em dez dias a produção fechou com 3 dias de antecedência do prazo, produzindo além do esperado, cada turno.

Conclusão:

A Cultura de uma empresa é muito importante e sem uma boa comunicação com os Colaboradores, o objetivo se perde. No caso, usamos o engajamento através de troca, mas o ideal é que o engajamento seja feito naturalmente através dos valores da empresa.

Comparações e competições (não claras) são um "tiro no pé" em empresas. A relação entre o empregado e empregador deve ser sempre uma troca, na qual os dois devem ganhar.